No tempo das amoras tudo pode acontecer.

4 de março de 2012

o depoimento

Miguel saiu de casa com a mala na mão. Despediu-se da mulher com um até amanhã. Rosa ficou calma e quieta a pensar no que seria agora a sua vida. Lembrou-se que praticamente não tinha comido nada o dia todo então decidiu comer um iogurte com cereais e ligar ao seu irmão.
- Estou Jorge?! Então estás bem?
- Sim e contigo?
- Aguenta-se. Já foste à policia? 
- Claro que já. E o Miguel também.
- Sim eu sei, ele disse-me.
- Eles desconfiam dele.
- Como sabes isso? 
- Oh porque eu também desconfio. Rosa ele apareceu logo aqui, e tinha todo o interesse nisso.
- Não vejo como. 
- Agora que vai divorciar-se de ti, sem direito a nada de nada do que é teu tem interesse em tirar-te algum do teu património para ver se te prende a ele e evita o divorcio.
- Isso não faz sentido nenhum Jorge, e além do mais ele estava com o marido da Maria. Esteve sempre.
- Isso diz ele. 
- Bom amanhã vou eu lá à polícia. 
- Vê lá se lhes contas o que ele te fez.
- Vou contar o que eles me perguntarem Jorge. Não vou para lá expor a minha vida gratuitamente. 
-Tu é que sabes, não estejas a encobrir quem te fez mal.
- Que conversa Jorge vou dizer a verdade. Até amanhã então.
- Até amanhã.
Aquela conversa tinha sido muito estranha. Estava nítido que o irmão queria a toda a força pôr as culpas no Miguel. Mas porquê? Estava tudo maluco. Que interesse teria o Miguel em incendiar a fábrica? Por mais voltas que desse à cabeça não imaginava nem uma razão. Porque queria o irmão incriminá-lo? Talvez estivesse ressabiado por saber que ele tinha andado com a Carla, a sua paixão de uma vida. Mesmo assim não achava que fosse um motivo suficientemente forte. Deitou-se e adormeceu a pensar naquilo.
Acordou no dia seguinte e foi direta para o trabalho. A hora de almoço chegou num ápice, pelo caminho trincou uma maçã que tinha metido na carteira e dirigiu-se para a polícia.
- Vinha falar com o inspector Almeno Cunha, tenho hora marcada com ele. - Rosa mirava tudo à sua volta inclusive a polícia que a atendeu na secretaria. Nunca havia entrado antes na polícia e tudo lhe parecia um pouco rude.
- É um minuto, vou saber se já a pode atender.
Rosa viu chegar o inspector, não tinha nada a ver com o que julgava ser um inspector. Alto, cabelo grisalho e sorriso pronto.
-Almeno Cunha, boa tarde, é Rosa Fontelo presumo. - o inspector estendeu a mão a Rosa, que devolveu o cumprimento.
- Presume muito bem, Rosa Fontelo, venho para o interrogatório.
- Não será bem um interrogatório, é mais uma conversa. Se encarar assim é mais fácil de ultrapassar.
- Muito bem.
O inspector encaminhou Rosa para um gabinete que apesar de tudo lhe pareceu bastante espaçoso e muito menos bafiento do que julgava.
- Sente-se por favor, certamente que sabe porque está aqui.
- Por causa do incêndio na empresa do meu pai.
- Correcto. Podemos então começar?
- Sim.
- O que dissermos vai ser redigido para depois poder assinar, parece-lhe bem?
- Sim.
- Onde estava no dia do sinistro?
- Em Cerveira.  Tinha lá ido passar o fim de semana com uma amiga.
- O seu marido, Miguel, não foi consigo?
- Não, tínhamos discutido e ele não foi comigo. Apareceu lá mas eu mandei-o de volta para o Porto, não queria vê-lo naquele fim de semana, queria pôr a cabeça no lugar.  
- Porque discutiram?
- Isso é mesmo relevante para o caso?
- Mais do que possa pensar.
- O meu marido traiu-me com uma amiga de ambos.
- Pode saber-se quem?
- Uma funcionária da empresa do meu pai e amiga da família. 
- Refere-se à menina Carla Pedro?
- Exacto.
- O seu marido lucraria algo com o incêndio? 
- Não vejo o quê. Somos casados em separação de bens, não veria um tostão de nada do que é dos meus pais em momento algum.
- Sem a empresa dos seus pais a Rosa ficaria mais vulnerável? Seria uma forma de evitar o divórcio? 
- Nunca. Sou independente. A firma dos meus pais não me diz absolutamente nada. A minha independência financeira provem do meu trabalho que nada tem a ver com essa empresa. 
- Sabe onde estaria o seu marido na altura do sinistro?
- Não. Como lhe disse estava a quilómetros daqui, não sei onde ele estava. 
- Conhece algum João Lemos?
- Sim é amigo de ambos, penso que estaria com ele. quando foram a Cerveira ter comigo estavam juntos. 
- A Carla Pedro é sua amiga.
- Essa é uma pergunta um pouco naif considerando o que se passou. Acha que alguém que vai para a cama com o nosso marido é nossa amiga? Essa senhora ligou-me todo o fim de semana fez-me ameaças e está descompensada. Claro que tudo o que eu disser vai soar a "ressabiamento" mas entenda como quiser.
- Ameaças? Concretize por favor.
- Posso mostrar-lhe o telemóvel, tenho aqui as mensagens. Ela está descompensada. Quando viu que não ia ficar com o Miguel lançou farpas para todos os lados. 
- Muito bem. Acha então que a Carla seria capaz de provocar o incêndio. 
- Nunca disse tal. Não faço juízos de valor. Ela está descompensada agora do que é capaz não me cabe a mim dizer. Como compreende não estou em posição para a acusar seja do que for. 
- E o seu irmão?
- O Jorge, o que tem?
- Lucraria alguma coisa com o incêndio?
- A empresa também é dele. Confesso que não percebo nada da empresa nem sei qual a sua situação actual, mas não o estou a ver a destruir o próprio património. Mas não posso julgar ninguém. Qualquer das pessoas que foram faladas me parecem improváveis mas para isso estão cá vocês.
- Muito bem menina Rosa, para já é tudo. vamos só assinar o depoimento após o ler e depois pode ir.
Rosa assinou o depoimento ainda com a cabeça aos bicos depois de tanta pergunta e teoria maluca.
- Boa tarde então inspector.
- Foi um prazer menina Rosa. Boa tarde.





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